quinta-feira, 3 de abril de 2014

Catimba, correria e força-tarefa: Flamengo renasce com cara de Libertadores



Um Flamengo que, enfim, disse "muito prazer" para a Taça Libertadores da América. O cenário era adverso, perder era proibido, os jogadores mais experientes estavam fora, mas o Rubro-Negro que pisou no gramado do George Capwell, em Guayaquil, para enfrentar o Emelec, parecia ter passado por um curso intensivo de como se comportar na competição sul-americana. Com todo clichê comum a disputas em gramados vizinhos em mente e sem perder a cabeça, o Rubro-Negro foi catimbeiro, firme nas divididas e veloz quando teve a bola para fazer 2 a 1 no Equador e renascer em uma disputa quase perdida após a derrota para o Bolívar, há duas semanas, na altitude de La Paz. No fim, os 29 flamenguistas presentes levaram a melhor diante de 21 mil barulhentos e "ignorados" torcedores do "Bombillo".

mosaico flamengo x emelec (Foto: Editoria de Arte)Lances do confronto entre Flamengo e Emelec (Foto: Editoria de Arte)



Sem seis jogadores (cinco titulares), Jayme dividiu o Flamengo em dois: do meio para trás, forte e marcador, com Welinton improvisado na direita e Amaral plantado atrás, sempre atento ao setor esquerdo, dando suporte a João Paulo. Do meio para frente, leve e rápido, com Paulinho, Everton e Gabriel de olho em qualquer bobeada do Emelec, além de toda a experiência de Alecsandro. Escalação surpreendente, mas que serviu como antídoto perfeito contra o caldeirão que se formava no George Capwell e sob medida para um time que não se privou de jogar duro e feio quando necessário.

‘Senhor Libertadores’, Alecsandro administra partida

Há seis meses sem perder em seu estádio, o torcedor do Emelec se acostumou a sair de casa para fazer festa. E na noite de quarta-feira em Guayaquil a celebração começou exatamente às 19h22m (21h22m de Brasília). Neste instante, a "Boca do Poço", espaço destinado para as organizadas, atrás de um dos gols, entrou em ação com cantos que continuariam de forma incessante até depois do apito final da partida - mesmo durante os gols do Flamengo. Já no aquecimento, os rubro-negros tiveram a noção de que não teriam sossego. O desenrolar da partida, por sua vez, fez com que nem tivessem tempo para que se sentissem intimidados.

A festa com papéis higiênicos, bandeiras e batuque até foi bonita na entrada do Emelec em campo, mas o toque de mão de Nasutti, aos sete minutos, seguido do gol de pênalti de Alecsandro, caiu como uma luva para estratégia montada por Jayme de Almeida. A sorte virou. O Flamengo, que sofreu contra León e Bolívar com lances decisivos nos minutos iniciais, tinha agora o "inesperado" a seu favor. E soube utilizar desse benefício.

Enquanto o torcedor local gritava a todo instante que "esta noite teriam que ganhar", os cariocas se mantinham seguros de si em campo e administravam as ações, com e sem a bola. Calejado na Libertadores, Alecsandro era um líder nato em campo e não parava. Suas ações não ficaram restritas ao futebol. O atacante cobrava da arbitragem, cavava faltas, dialogava com o técnico rival e até fazia faltas mais fortes no meio de campo para mostrar que o Fla não se deixaria dominar por estar longe do Brasil.

Escolta a João Paulo e pressão no árbitro

Responsável pelo primeiro combate, ainda na intermediária ofensiva, o camisa 19 deixava evidente também para os equatorianos que furar o ferrolho rubro-negro não seria tão fácil quanto foi para León e Bolívar quando jogaram em seus domínios. Bem postado, o Fla muitas vezes obrigava o Emelec a apelar para chutões. Quando conseguia sair jogando, os equatorianos se arriscavam pelas pontas e também sofriam com o esquema armado por Jayme. Zagueiro de origem, Welinton teve noite inspirada na vaga de Léo Moura. Bem nas antecipações, ganhou a maioria das disputas no combate direto e terminou a partida com 19 interceptações, entre desarmes e roubadas de bola.

Paulinho comemora, Emelec x Flamengo (Foto: AFP) 
Paulinho comemora o gol da vitória contra o Emelec (Foto: AFP)


Do lado esquerdo, porém, estava uma das principais alterações táticas do Rubro-Negro. Apontado como responsável direto pelo tropeço diante do Bolívar no Maracanã, João Paulo não esteve sozinho em nenhum instante. Pelo contrário, foi montada uma força-tarefa em seu setor. Na retaguarda em tempo integral estava Amaral, quase que como uma sombra do lateral. Com a marcação dobrada, o Fla retardava as ações ofensivas do Emelec, e Paulinho e Everton quase sempre voltavam para ajudar a proteger o setor. Desta maneira, raras foram as chances do time da casa em um primeiro tempo onde Felipe praticamente não trabalhou.

Com a missão bem cumprida nos 45 minutos iniciais, os jogadores voltaram a dar sinais de que estavam no "clima de Libertadores" antes da descida para o intervalo. Fato incomum, muitos deles cercaram o árbitro chileno Julio Bascuñan para questionamento por encerrar a etapa inicial durante um contra-ataque puxado por Everton. Medida muito mais para "marcar território" do que por motivo justo.

Cera, cai-cai e chutões: relógio a favor do Fla

Na volta para o segundo tempo, o Flamengo manteve a marcação forte, mas já em seu campo de defesa. Foi quando a pressão do Emelec e a catimba rubro-negra aumentaram simultaneamente. Acuado, os cariocas suportavam bem as investidas do adversário e tentavam esfriar o jogo com cera e chutões sempre que necessário. Postura mantida mesmo após o gol de empate do time do Equador, aos 20, com Stracqualursi, de pênalti. Afinal, o empate era suficiente para levar a decisão do grupo para o Maracanã, diante do León
A esta altura, Alecsandro já não recebia mais tantas bolas. Por outro lado, segurava o jogo questionando o quarto árbitro em marcações duvidosas e dialogando com o treinador rival, Gustavo Quinteros. As idas ao ataque ao mesmo tempo em que tinham que voltar para defender foram minando o fôlego de Everton e Paulinho, e o Fla perdeu um pouco do desafogo no contra-ataque. Welinton, que vinha bem, apesar do pênalti cometido, também acusou o golpe de tanta correria após longo período de inatividade e pediu para sair. A fortaleza montada por Jayme ameaçava ruir, mas fez da catimba uma aliada.

Se correr não era possível, Welinton caiu, saiu de maca, voltou, caiu de novo e parou o jogo por minutos preciosos até dar lugar a Chicão. O mesmo aconteceu com Everton, pouco depois, irritando o torcedor local. O Flamengo nitidamente deixava o tempo passar, mas fazia isso de maneira inteligente, enervando rival e sem dar brecha para ser punido pela arbitragem. Amaral, expulso na estreia por "exagerar na vontade" e cometer falta grosseira, cumpria bem seu papel de cão de guarda e ainda encontrava uma maneira de levar os equatorianos a loucura.

Jayme: ‘No ritmo e no jeito que se joga a Libertadores’

Em determinado momento, o volante deixou uma bola pererecando na área antes de um escanteio, enquanto o adversário já se preparava para cobrança após reposição rápida do gandula. Alguns segundos a favor do Fla. A cada cobrança de falta na intermediária, Amaral também olhava para um lado, para o outro, e pedia para que outro companheiro assumisse a missão. Mais alguns segundos a favor do Fla.

Assim, o Rubro-Negro caminhava para um empate bem-vindo e praticamente sem sustos, até que mais uma escolha improvável de Jayme foi recompensada. Renascido após uma temporada desastrosa no São Paulo, Negueba entrou em seu décimo jogo no ano, deu novamente velocidade ao time, e acertou lindo lançamento para Paulinho decretar: Emelec 1 x 2 Flamengo. Um novo Flamengo.

- O time jogou no ritmo e no jeito que se joga a Libertadores. Tem momentos que dá para jogar bonito, outros não. Acima de tudo, tem que ter muito coração, muita vontade, lutar o tempo inteiro. Os meninos se comportaram de uma maneira grande – definiu orgulhoso Jayme de Almeida.

Na quinta rodada, o Flamengo renasceu. E renasceu com cara de Libertadores.

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