sexta-feira, 24 de abril de 2015

Com modelo de balanço do Real Madrid, Fla mira meio bilhão de receita


O Flamengo está longe de ter um balanço com números semelhantes ao do Real Madrid, mas o modelo do documento é adaptado do clube espanhol. Isso porque a empresa que faz a auditoria dos demonstrativos financeiros da atual gestão rubro-negra - e que constatou a dívida de R$ 750 milhões - é a mesma da equipe europeia. Se a fase não é boa o suficiente para trazer um Cristiano Ronaldo, não é mais tão ruim que o clube não possa projetar uma contratação de impacto ainda neste ano. De acordo com Rodrigo Tostes, vice-presidente de finanças, já foram pagos R$ 225 milhões em dívidas e, com o aumento de receitas (para 2015 estão previstos R$ 365 milhões brutos), há uma "reserva" para investir no futebol.

Rodrigo Tostes, vice de finanças do Flamengo (Foto: Ivan Raupp) 
Rodrigo Tostes, vice de finanças do Flamengo, aposta em grande faturamento em 2015 (Foto: Ivan Raupp)


A relação com o modelo usado pelo clube espanhol surgiu do questionamento sobre a tabela que mostra todas as porcentagens que o clube possui sobre jogadores (veja na imagem abaixo), um fato inusitado nos documentos contábeis das equipes brasileiras.

- Vamos colocar sempre. Acho que ninguém faz isso. A gente tem uma consultoria da Ernst & Young, que copia basicamente um modelo de gestão lá de fora. Eles fazem o do Real Madrid. Nós estamos no mesmo formato de apresentação de balanço do Real Madrid. Eles dão consultoria para o Real Madrid e nos deram essa sugestão - explicou.

A meta, segundo Tostes, não é dívida zero. O clube busca, até 2018, ter uma dívida estabilizada em torno de R$ 200 milhões e alavancar as receitas para atingir R$ 500 milhões por ano nas próximas temporadas. Um dos fatores que pode ajudar é um aumento substancial no contrato de transmissão de jogos, que deve crescer cerca de R$ 100 milhões em 2016. Desta forma, diz o vice de finanças que será perfeitamente possível administrar o Fla com um "lucro absurdo".

Porcentagem jogadores Flamengo (Foto: Reprodução) 
Flamengo faz o controle da porcentagem que tem sobre os seus jogadores em uma tabela (Foto: Reprodução)


Quanto aos reforços, o nome que foi tentado no início da temporada está oficialmente descartado. Montillo não está mais nos planos do Flamengo, de acordo com Tostes. A dificuldade no acerto, alto custo e baixa probabilidade de retorno financeiro com uma futura venda do meia, que atua na China, minaram a contratação. E vender um atleta faz parte dos planos da diretoria para atingir o lucro esperado nessa temporada de R$ 105 milhões. Mas o vice de finanças, apesar do jovem zagueiro Samir ter recebido propostas recentemente, não citou nomes. Apenas ressalta que, se a oferta for boa, qualquer um pode ser negociado.

Confira outros trechos da entrevista de Rodrigo Tostes ao GloboEsporte.com:

GloboEsporte.com: Qual a grande vitória do Flamengo nesse balanço?

Rodrigo Tostes: É demonstrar que está fazendo as coisas direito. Mostrar que estamos seguindo o que planejamos. Há dois anos e meio, quando assumimos o Flamengo, a ideia era colocar a casa em ordem nos primeiros dois anos. E nesses dois anos estamos mostrando que é possível. Agora, os próximos dois anos terão uma outra estratégia.

A partir do momento que a casa está em ordem, o que a torcida pode esperar em termos de time?

Acho que o Flamengo já tem hoje jogadores de maior vulto do que tinha no passado. É uma crescente. A gente não vai sair de um time que tinha R$ 750 milhões de dívida para virar o Barcelona, mas a perspectiva é, sim, nesse ano de 2015 e no próximo ter uma consolidação, para ter um crescimento maior em 2017 e 2018. Assim que foi pensado em termos de projeto. A cada ano a torcida pode esperar um time melhor, sim. Mas o passo mais difícil é esse agora. A torcida comprou a ideia de a gente efetivamente arrumar a casa, esse time de 2015 já é melhor, na minha opinião, do que 2013 e 2014 e a crescente vai acontecer. A torcida pode esperar, sim, um time muito melhor do que os anteriores.

É possível pensar em algo grande para este ano ainda?

É possível porque foi planejado dessa forma. O Wrobel (Alexandre Wrobel, vice de futebol) e o Caetano (Rodrigo Caetano, diretor executivo do futebol) têm um orçamento que foi planejado no final do ano passado, têm reserva para fazer investimento ainda, mas tem de ser pontual, não adianta mais trazer para compor elenco, tem de vir para ser titular. A gente está olhando isso, mas tem de ser feito com muita calma. Hoje, você contrata um atleta e tem dois ou três anos para manter esse atleta no clube, você não pode rescindir caso não haja uma performance dele. Tem de fazer esse investimento com muita consciência. É muito oneroso para o clube trazer um atleta e de repente não vingar. Você fica com esse passivo, vamos dizer assim, tendo de ser administrado. Então eles dois estão muito conscientes disso, sabem que o tiro tem de ser dado certo, mas para este ano pode ser esperado um investimento maior, sim.

No orçamento para o ano passado, o Flamengo projetou metas altas de bilheteria e sócio torcedor. Teve de ser feito um ajuste. Neste ano, a receita foi projetada já bem acima do ano passado, R$ 365 milhões, com mais ou menos a mesma estimativa de sócio-torcedor e bilheteria, sendo que o ano já começou com o estadual dessa maneira. Isso assusta? Tem impacto direto nesse investimento que você citou?

Na verdade, o campeonato estadual, os primeiros quatro meses do ano são um peso muito grande, ou seja, a gente não consegue motivar um aumento do sócio-torcedor, não consegue alavancar bilheteria, pelo contrário, porque os jogos são de baixíssimo interesse, de baixíssima qualidade, não tem um atrativo para levar o torcedor ao estádio. Fora isso tem o custo do Maracanã, que talvez seja o mais alto do Brasil entre esses estádios herdados da Copa, então esses primeiros quatro meses pesam muito. Esse aumento do sócio-torcedor é balizado em uma série de novas iniciativas que estão sendo testadas. Acredito que vamos conseguir cumprir o orçamento, ele é revisado a cada três meses. Como qualquer empresa, você projeta, mas vai fazendo revisões trimestrais e, caso haja um descompasso muito grande, a gente leva de novo para aprovação no conselho. O problema, hoje, são os primeiros quatro meses, em déficit, ou seja, você tem um terço do ano trabalhando em déficit. É muito pesado para um clube que quer dar o passo que a gente quer dar. Por isso a gente prega uma mudança nessa estrutura do Estadual.

O Flamengo projetou cerca de R$ 4 milhões de receita no estadual. Isso foi atingido?

Ainda não fechamos, mas acredito que seja bem menos do que isso. Se bobear, não vamos conseguir sequer a metade. No último jogo contra o Botafogo no Maracanã, com R$ 2 milhões de renda, ficamos com R$ 350 mil. Ou seja, tem um custo alto com elenco, leva o espectador, e fica com 15% da receita bruta do espetáculo. Não faz nenhum sentido. Hoje em dia, não faz nenhum sentido jogar o estadual. Deixar os jogadores treinando, talvez, financeiramente, valha mais a pena.

De 2013 para 2014, o Flamengo perdeu R$ 8 milhões em bilheteria. Por quê?

Porque há um impacto da final da Copa do Brasil muito grande, e tem premiação também dentro desse valor de bilheteria. Essa foi a grande diferença, mostra quanto é importante um time estar disputando título. Em 2013, o Flamengo também jogou muito fora de casa. Em 2014, a gente tinha planejado jogar oito partidas fora, mas como o time estava na zona de rebaixamento, preferimos jogar em casa. E as finais da Copa do Brasil que conseguimos colocar R$ 2 milhões.

Qual é a dívida atual do Flamengo?

R$ 525 milhões, já reduziu R$ 225 milhões.

Projeção 2015 Flamengo (Foto: Reprodução)Projeção financeira do Flamengo versão 2015 (Foto: Reprodução)
Mas ao passo que há essa redução da dívida, são feitos empréstimos e adiantamentos de receita, mesmo além do atual mandato da diretoria. Como isso é balanceado?

Isso vem de uma lógica muito simples. Primeiro, voltar a ter credibilidade. Só tem crédito no mercado quem paga suas contas em dia. Então o primeiro passo foi renegociar todas as dívidas com os credores que a gente assumiu. Pegar tudo o que o Flamengo devia, colocar em um plano de longo prazo e encaixar aquilo dentro de um fluxo de caixa. Mas esse fluxo de caixa logicamente é projetado, precisa de novas receitas para pagar essas dívidas. No momento em que você começa a gerar essas receitas para ir pagando essas dívidas, começa a ver que está pagando valores que não deveria estar mais pagando, já que gerei novas receitas para pagar. Pego uma dívida que tem uma taxa de X% por uma dívida menor para aquele mesmo montante, mas só consigo ter essa sobra se tenho menos despesa ou mantenho a despesa equilibrada. O Flamengo só conseguiu pegar dinheiro na frente porque sobrou caixa na frente.

Essa não era uma prática bastante criticada em gestões anteriores de adiantar verbas fora do prazo do mandato?

Não, é completamente diferente. Adiantar receita para aumentar a despesa é uma coisa, para quitar dívidas com um custo mais barato é totalmente diferente. O que foi feito em administrações anteriores era adiantar receita para comprar um atleta, para fazer a compra do Romário, para aumentar a despesa. O que a gente fez foi pegar receitas para matar dívidas, ou seja, menos juros. Faz todo sentido você pegar um financiamento em um banco X para cobrir uma dívida no banco Y se o banco X te dá uma taxa melhor. É diferente de pegar e não cobrir a dívida. É igual ao camarada que tem uma dívida no cartão de crédito. Aí o cara renegocia, e em vez de pagar a dívida vai comprar um produto parcelado. Isso que era feito, se pegava empréstimo não para pagar dívida, mas para se endividar mais. O que a gente ofereceu como garantia foi justamente não se endividar mais, os números estão aí. O cara que te empresa quer saber se vai conseguir pagar. É a pergunta que todo mundo faz. Vai usar esse dinheiro para quê? Para pagar a minha dívida. No momento que pago a minha dívida, sobra mais dinheiro para te pagar. O cara empresta. Agora, se pega e fala o seguinte: vou comprar o Vágner Love, o Ronaldinho Gaúcho, mas vou vender 50 milhões de camisas e te dou esse negócio. Isso que era feito. Pegava dinheiro para investir numa despesa com potencial de receita que você não sabia qual era. Isso que gerou os R$ 750 milhões. Aí para de pagar imposto, essas coisas todas, vai gerando essa bola de neve. Ainda vejo isso no futebol, mas acho que o Flamengo não tem mais espaço para isso e não vamos deixar isso acontecer. Essa troca de uma dívida por outra, todo mundo faz isso em todos os lugares do mundo, só quem não quer entender o que isso representa fica jogando com essas palavras.

É possível prever dívida zero?

A gente não busca isso, não busco dívida zero. Porque a dívida zero traria a necessidade de pagar todas as dívidas, teríamos de adiar muito esse objetivo de fortalecer o time, investir na base. O Flamengo hoje com uma receita de R$ 400 milhões por ano e uma dívida entre R$ 150 milhões e R$ 200 milhões alongada no tempo é absolutamente administrável com um lucro absurdo. Teria uma estabilidade muito grande. Não preciso necessariamente acabar com todas as dívidas, porque em um horizonte com R$ 400 milhões, R$ 500 milhões de receita, que a gente almeja daqui a algum tempo, não precisa de dívida zero, pode ser administrado com uma dívida controlada. O que você precisa? Previsibilidade. É a regra do jogo. Uma dívida que você saiba o que ela é e que esteja negociada, não que venha de uma hora para outra R$ 150 milhões de uma penhora. Isso aí acaba, isso sempre matou o Flamengo.

Em quanto tempo dá para atingir esse cenário ideal?

Acho que em seis anos. O nosso objetivo é chegar a uma receita de meio bilhão em 2017, 2018, e estar com uma dívida estabilizada na casa de R$ 200 milhões, o que é totalmente administrável ter uma receita de duas vezes e meia a sua dívida.

O clube projeta um lucro de R$ 105 milhões para 2015. Qual a principal diferença em relação a 2014, onde o lucro foi de R$ 64 milhões?

A principal diferença é um potencial de sócio-torcedor que a gente vê para o segundo semestre. A gente entende que isso possa fazer diferença. E também projeta alguma venda de atleta a mais do que foi no ano anterior. A gente tem algumas negociações em andamento, mas hoje não existe nada efetivado. Nossa esperança de aumento sempre é o sócio-torcedor e voltar a chegar numa final como aconteceu nos anos passado e retrasado, e o time também permitir que a gente jogue um pouco fora. Hoje em dia, jogar fora do Rio é essencial para o Flamengo. A diferença é muito grande.
Os jogos com o mando do Flamengo...

Isso acaba ficando sempre muito pesado, porque descobriram nossa fórmula e estão levando os jogos do Flamengo para fora e se apropriando da nossa... Por exemplo: o Santos leva o jogo contra o Flamengo para o Nordeste, aí se apropria da nossa torcida para vender o jogo para lá.

E o mandante fica com 100% da renda. É o melhor modelo para o Flamengo?

Não sei se esse é o melhor modelo. A gente é a maior torcida em todos os lugares. Com exceção de São Paulo e alguns outros lugares, a gente tem a maior torcida. Não sei se esse modelo é o ideal para a gente. Mas é um combinado que não sai caro.

O Flamengo ainda não recebeu o dinheiro da venda do Hernane. Por que o valor consta no balanço?

Lógico que o Flamengo tem um crédito, e isso está registrado no balanço. São as regras contábeis. A questão da negociação está sendo capitaneada pelo futebol em conjunto com o departamento jurídico, que questiona o financeiro sobre as condições. E o nosso ponto é muito claro: qualquer negociação que venha a ser feita necessita de garantia bancária para a segunda parcela. O Flamengo não vai aceitar tirar a ação na Fifa contra o clube (Al Nassr), e vamos ganhar. Por isso o clube veio tentar negociar, mas qualquer negociação pressupõe uma garantia bancária de um banco internacional para as próximas parcelas. Isso ainda não está acordado, e o Flamengo não vai aceitar nenhuma negociação que não tenha essa condicionante.

Como o senhor avalia o desempenho do programa de sócio-torcedor?

O Flamengo precisa reinventar o programa sócio-torcedor e está trabalhando nisso. Criando um pacote novo de benefícios, estimulando os jogos fora. Agora, grande salto do sócio-torcedor, algo onde o Flamengo possa potencializar 100 mil, 150 mil, é quando tiver o estádio. Porque aí você ter um programa de venda de cadeira perpétua, carnê, colocar nome na cadeira, trabalhar aquele complexo. O cara tem desconto em todas as lojas dali... Você consegue ativar o sócio-torcedor: essa é a sua casa. E o cara paga por esse conforto. Uns pagam mais, ou menos, mas pagam. Mas, mesmo sem isso, acho que o Flamengo já deveria ter 80 mil sócios-torcedores hoje, um número justo. E temos 54 mil. Precisa trabalhar uma política melhor de benefício para o sócio-torcedor hoje: desconto em posto de gasolina, em lojas, em outros estabelecimentos. É uma estratégia em que estamos trabalhando.

Vocês mais do que dobraram os gastos com direitos federativos adquiridos de 2013 para 2014. Houve uma mudança de mentalidade?

É uma mudança de mentalidade até determinado ponto, porque o mercado também te impõe algumas restrições. O Flamengo se apropriou de atletas como o Canteros, que tem possibilidade de um mercado 100% mais à frente, ou seja, fazer disso um negócio. No caso do Montillo, que estávamos tentando, seria uma compra de 100%. A possibilidade de vender um atleta de 33, 34 anos ao fim do contrato é muito pequena. A gente já encerrou as negociações e não está mais trabalhando com essa possibilidade. Pelo menos essa é a informação que tenho do futebol. A não ser que algo mude. Mas num caso como esse, tem que desprezar isso. Vamos supor que você pague R$ 1 milhão pelo atleta e que o salário dele seja de R$ 100 mil por mês durante três anos. Esse R$ 1 milhão tem que ser incorporado ao salário dele. Você não está pagando só R$ 100 mil a ele, mas também esse milhão dividido pelo número de meses. Não tem possibilidade de vender aquele atleta. Mas essa é uma situação. Qual a nossa intenção? É comprar 100% atletas entre 19 e 24 anos que tenham possibilidade de revenda ainda. Sem dúvida é uma mudança de mentalidade.

Em relação ao Marcelo Cirino, acha que ele será vendido antes de 2017?

É muito difícil imaginar qualquer coisa. A gente só torce para que a performance dele melhore cada vez mais. Mas é muito difícil prever. Acho que hoje tem uma mudança de mentalidade no Flamengo. Se a gente tiver a oportunidade, e o Flamengo avaliá-la como boa, o clube vai fazer negócio. Com esse ou qualquer outro atleta. É dessa forma que o mercado sobrevive. A gente não fecha a porta para nenhuma proposta. Agora, tem que ser feita uma avaliação do momento. Fazer isso às vésperas de uma final de campeonato não é uma coisa muito inteligente. Mas, se vier uma boa proposta, o Flamengo vai analisar. Posso te garantir: se for boa proposta, o Flamengo vai vender.

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